Entrevista com dj e produtor Thomas Melchior
Por Adriana Prates
Adoro experiências novas. Por isso, meu primeiro pensamento quando recebo qualquer proposta é: porquê não ? Embora não tenha experiência em
escrever textos de caráter jornalístico, foi pensando assim que aceitei o
convite para ser colaboradora do site Cafetina, dedicado à música eletrônica
e eletroacústica. Entretanto, a mesma fleuma quase me faltou quando recebi a
proposta de estrear entrevistando o produtor alemão Thomas Melchior, que
aparece de vez em quando aqui em Salvador e, por acaso, é um dos expoentes
do som minimal – a tendência eletrônica que mais vem dando o que falar nos
últimos tempos. Imagine: eu, que nunca tinha tido a experiência de
entrevistar alguém, encarar logo de primeira um top produtor, considerado um
dos mais influentes na linha de som à qual se dedica e que vem a ser a mais
comentada atualmente … Dureza !!! Mas logo me veio minha costumeira
resposta / pergunta: porquê não ? Afinal, a proposta do site é trazer
informação especializada, sim, mas de uma forma que esta seja acessível ao
grande público. Então, parei de perder tempo e comecei logo a pensar nas
perguntas que faria ao Melchior.
Minimal… creio que foi ano passado, mais especificamente depois do
Sónar, que o minimal dançante passou a despertar maiores interesses aqui no
Brasil. Eu particularmente gosto da idéia de trabalhar com economia,
eficiência, sinteticidade e sobriedade, características que identifico no
minimal, mas nunca me dediquei a pesquisar com afinco o estilo, os
produtores, etc, me limitando a passear rapidamente pelas faixas de álbuns
lançados por selos como Perlon e Kompakt, durante as minhas visitas às lojas
de disco virtuais. Entretanto, numa noite quente em Salvador, tive a sorte
de ser conduzida numa jornada sonora minimalista pelas mãos de Thomas
Melchior. Considerado, na Europa, como um dos grandes artistas do minimal,
Melchior apresentou em janeiro de 2005 um Live PA no Miss Modular, clube
soteropolitano onde todas as sextas-feiras vem acontecendo a Opsom, noite
promovida pelo coletivo Pragatecno e dedicada à música eletrônica
underground.
Na ocasião, me joguei na pista desde o momento em que pisei no clube e
lá permaneci até a hora que o Dj parou o som, como sempre acontece quando
está rolando a maravilhosa House Music. Um tempinho depois me chegou a
proposta de realização da entrevista para o site. Consegui entrar em contato
com Melchior através de um amigo em comum e, acertados os detalhes, comecei
a pensar no que pessoas que gostam de música eletrônica mas que não possuem
grandes conhecimentos sobre o minimal – como eu – gostariam de saber a
respeito do assunto. A conversa com Thomas Melchior pode ser conferida logo
abaixo e eu espero que a leitora ou leitor consiga vislumbrar o lance mais
legal nessa história que me deu o privilégio de conhecer um pouco mais sobre
o Thomas: o fato deste super produtor, apesar de ser top no que faz, manter
a simplicidade pessoal e o foco na música. Sem nada de afetação. Exatamente
como sua música.
Entrevista com Thomas Melchior
Adriana: Olá Thomas. No início do ano eu tive o prazer de apreciar seu
som em Salvador, quando você fez um Live no Miss Modular. É esse o seu
formato preferido de apresentação ?
Melchior: Olá. Fazer um “live” é uma coisa mais nova para mim, então é
mais interessante. Mas também gosto fazer Dj set, porque sou amante de
música e colecionador de discos bons…
Adriana: Você se importaria de dizer que equipamentos que usou naquela
apresentação ? Consta que você trouxe aparelhos valvulados …
Melchior: É um segredo 😉 No Miss Modular eu usei um korg-sequencer
ET-Mix e um sampler ETS. Normalmente eu uso também um sintetizador com
teclados e mais uma outra magna do ritmo.
Adriana: Quanto de improviso e quanto de pré- planejamento há num Live
Pa ?
Melchior: A maioria é pré-planejado. Eu improviso com arranjos, os
sons e variações de ritmos..
Adriana: Você se considera primordialmente um DJ ou um produtor ?
Melchior: Um produtor musical.
Adriana: Se importaria de dizer quais os softwares e equipamentos que
costuma usar para produzir suas faixas ?
Melchior: Eu uso Cubase para computador e vários tipos de
sintetizadores e magnas do ritmo. Kurzweil k-2000, Alesis micron, Roland jd
800, SH101, TR 8o8 e R8, Nord rack, Verona analogue drum synthesiser, Korg
electribe, t.c electronics reverb e delay, e um soundcraft 24 canal, mixer
com Yamaha ns 10, monitor, caixas e JBL control. Etc…
Adriana: Poderia nos falar um pouco sobre sua trajetória e também nos
dizer porque resolveu migrar do formato de banda para o de produtor de
música eletrônica ?
Melchior: Nasci na Alemanha e cresci na Espanha. Morei nos EUA e
finalmente na Inglaterra, onde comecei a tocar numa banda de jazz funk, na
escola. Eu tocava teclados e cantava. Com o tempo eu descobri que quanto
menos pessoas estiverem na banda, mais controle você terá sobre o som.
Usando computadores foi possível (trabalhar sozinho). Também nessa época
entrou em cena a música “acid house” (1987) que eu gostei muito e
imediatamente vi o futuro.
Adriana: Se você já fez parte de uma banda, então certamente deve
conhecer música, tocar instrumentos… Gostaria de saber o que este tipo de
experiência acrescenta na criação de música eletrônica ?
Melchior: Quando jovem estudei musica clássica e composição, o que me
deu conhecimento sobre harmonia (e desarmonia). Tocando em banda você
aprende que todos os instrumentos são importantes, então você aprende também
a dar mais atenção para todas as partes da música.
Adriana: Fale um pouco sobre a história do som minimal dançante …
Melchior: Existe o minimal techno, minimal house, micro house, etc. O
minimal é um movimento velho e na verdade está na cena musical já há muito
tempo. Começou com a música “avantgarde” de Phillip Glass e Steve Reich e
mais tarde, com ajuda dos computadores, cresceu mais rápido.
Adriana: Embora o minimal seja associado mais comumente ao techno,
sinto o seu som mais como house … estou enganada ? Você se considera um
produtor / Dj de house ?
Melchior: A diferença entre House e Techno na verdade está na
velocidade e na sonoridade. Eu trabalho o lado “funky” – sensual – da House
e o lado cabeça – experimental – do Techno.
Adriana: Poderia nos dizer quais as suas influências musicais ?
Melchior: Primeiro gostei da música clássica, depois vieram os
Beatles, música eletrônica dos anos 70 e 80, como Kraftwerk, Depeche Mode,
Yello, The Residents… mas também “black music” como jazz, funk, fusion,
Parliament, Herbie Hancock, James Brown, The Meters e ainda música
brasileira como Sérgio Mendes, Azymuth, João Gilberto, Caetano Veloso e
finalmente as músicas “avantgarde”, bizzaras e interessantes.
Adriana: Poderia nos dizer em quais Djs e produtores devemos prestar
atenção ?
Melchior: Luciano, Ricardo Villalobos, Zip (Dimbiman), Mathew Dear,
Marc Leclair (Akufen, Horror Inc), Robag Wruhme (Whignomy Brothers). E mais
antigos como Derrick Carter, Chez Damier , Ron Trent, Robert Hood, Brett
Johnson…
Adriana: Seus próximos planos para sua carreira, para o seu selo…?
Melchior: Quero continuar a fazer música. É o que mais sei e gosto de
fazer. Música é minha vida.
Adriana: A pergunta mais previsível (e inevitável) … o que acha da
cena brasileira ? leva alguma influência do Brasil para sua música ?
Melchior: Para mim a música brasileira tem influência de um modo
geral. Não são os ritmos tradicionais e sim a atmosfera cultural,
linguística e sonora que estou começando a usar dentro minha música,
inclusive estará saindo agora meu novo vinil com uma faixa que se chama
“Galera da Bahia”, e que promete. E eu amo a música brasileira,
especialmente a da Bahia, onde ficam muitas raízes da musica brasileira.
Adriana: Em sua opinião, o que representa a música eletrônica na
história da música ? E o que representa o minimal na história da música
eletrônica ?
Melchior: A música eletrônica é uma forma nova da música e representa
uma outra visão. Usando sons diferentes e estranhos você pode reinterpretar
estilos antigos e criar estilos novos. A música eletrônica consegue
expressar nossos tempos modernos e também ajudar as pessoas, no sentido de
aprender a ser criativo. Os computadores mostram a lógica da música, mas
mesmo assim você precisa de alguém para programá-los, ter idéias originais e
incluir a alma dentro da música. Quanto ao minimal, é o progresso
futurístico da música eletrônica.
Adriana: No Brasil, o minimal está num momento de grande prestígio
mas, por outro lado, aqui as coisas costumam acontecer com certo atraso…
Eu gostaria de saber se o minimal está realmente em um bom momento, na
atualidade, ou se essa é uma tendência que já está se esgotando… Enfim,
como andam as coisas na Europa ?
Melchior: Nos últimos dez anos o minimal foi fashion por um tempo e
depois sumiu, voltou para o underground e depois retornou novamente,
voltando sempre um pouco diferente. Pode-se dizer que tivemos ondas de
minimalismo. Hoje o minimal é um som mais constante e o futuro chegou na
música. A emergência de mais produtores de minimal foi algo que, junto com o
progresso tecnológico, também ajudou no processo de evolução do minimal. Eu
pessoalmente acho que o minimal hoje está melhor, graças ao fato de que os
produtores atuais entendem melhor a importância do ritmo. Creio que música é
sempre uma reinterpretação do passado e o minimal, portanto, faz parte de
uma evolução lógica, incluindo todas as músicas do passado. O minimal vai
ficar.