WERE YOU SAMPLED ?

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WERE YOU SAMPLED?
Por Adriana Prates – djadrianaprates@hotmail.com

Lembro do flyer parecido com um cartão postal anunciando a primeira apresentação pós Blitz da Fernanda Abreu em Salvador, às vésperas de lançar “Sla Radical Dance Disco Club”, seu primeiro disco solo. Vestindo uma roupa preta de vinil, a Fernanda arrebentou, fazendo um show super dançante e cheio de idéias originais, apesar das abundantes citações do passado, especialmente do Funk e da Disco Music. Sla Radical Dance Disco Club” representou para mim a existência de possibilidades musicais diferentes e acompanhei desde então o trabalho desta artista que, infelizmente, anda sumida da cena musical.

Com uma introdução feita na base da colagem de fragmentos sonoros, Sla Radical Dance Disco Club é pioneiro na utilização de recursos típicos da produção de música eletrônica, apresentando canções construídas através da interação de instrumentos tradicionais com equipamentos como macintoshs, prophets, vocoders, baterias eletrônicas, teclados, sequencers e, principalmente, o sampler. Além da sonoridade inusitada para a época, proporcionada pelo uso de tal parafernália, estiveram colados com a Fernanda Abreu os Djs Memê e Marlboro, mandando ver na programação, edição e scratches.

A ode ao sampler, assim como a orgia sonora onde tudo é permitido, desde colagens, menções e releituras à criação de músicas a partir de outras músicas – tão cara à música eletrônica – continuaram em SLA 2 – Be Sample. Com citações e levadas de baixo clássicas da soul music e do funk, o segundo disco trazia também as primeiras tentativas de fundir influências gringas mais modernas, de grupos como o Soul II Soul, por exemplo, com sons brasileiros. O disco traz pelo menos duas pérolas: a já clássica “Rio 40” e a cover de “Jorge de Capadócia”, com um grave que ainda hoje deixa meu juízo retorcido. Tem também scratches do Marlboro e vocais dos rappers Nino Rap e Eddy Mc.

O Brasil aparece mesmo é em “Da lata”. Nele a artista festeja o samba e o funk – inclusive o carioca – fundindo-os em arranjos que incluem metais à Maceo Parker, promovendo assim um formidável encontro de culturas musicais. O disco é dedicado “a todos os ritmos e levadas desta cidade maravilhosa – a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro” e traz participações do Funk´n lata e de ritmistas da mangueira.

Em Raio X Fernanda Abreu propõe releituras e remixagens de algumas de suas músicas, por parte de artistas diversos. O disco abre com um rap-repente e segue com o samba-enredo “Aquarela Brasileira”, no qual a artista canta a diversidade cultural brasileira em estilo velha guarda, mas não muito: surdo, agogô, repique, apito, ganzá, tamborim, pandeiro, reco-reco, reco de mola, zabumba, cavaquinho, violão sete cordas e coro de pastoras são unidos a sons tirados de caixa de fósforo, garrafa, prato e faca são acrescidos de programação e sampler. Passando por colaborações de Carlinhos Brown, Chico Science e Nação Zumbi, o disco vai chegando ao final em clima de baile funk, com direito à grito da galera e tudo. A última música, apesar do astral funk, é um sambão com direito a surdo, repique, cuíca, caixa e pandeiro. Misturas nem um pouco indigestas, tanto que continuam em alta… não falta quem continue a fazer e muito menos quem se disponha a ouvir.

Fernanda Abreu foi uma artista antenada com seu tempo, até mesmo à frente dele, talvez. Há mais de vinte anos ela já citava, sampleava, picotava, colava e misturava sons com a colaboração de Djs, usando funk, soul e disco music como bases para dar seu recado na cadência do samba e do funk carioca – isso tudo muito antes que a inteligência eletrônico-musical brasileira enxergasse algum valor neste estilo. E o melhor de tudo: botando o povo para dançar!

Gostando ou não dos seus discos, é inevitável reconhecer que, além de possuir inteligência, cultura musical e referências luxuosas, esta artista sempre celebrou elementos caros ao processo criativo que envolve a música eletrônica. E mais do que utilizar alguns desses recursos em suas músicas, ela exaltou desde sempre as possibilidades que eles representam para a música em geral.

Salve Fernanda Abreu!

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